Havia uma visão entre especialistas de que faltava um símbolo para o fim do século XX, uma época altamente marcada pela tecnologia. Fomos buscar nos registros dos últimos séculos um caminho para respondermos a pergunta sobre que mundo vem por aí. Mas por onde começar? Será que tem algo na história?
A peste negra, em combinação com uma série de outras crises relacionadas e sobrepostas, deu um golpe mortal na Europa Medieval. O calamitoso século XIV não está tão distante de nossa própria experiência como gostaríamos de pensar. A taxa de mortalidade provavelmente era superior a 60%. O pânico se espalhou e os laços mais sagrados da sociedade começaram a se desvendar. Foi no meio dessa crise que varreu Europa (1.347-1.353) e alterou o equilíbrio de poder. Os efeitos alteraram os fatores: trabalho, terra e moeda. Os salários dispararam, à medida que o trabalho estava em falta, e os aluguéis diminuíram, à medida que a densidade populacional em queda criou um excedente de terra o que inaugurou uma nova era – o Renascimento.
O termo Renascimento advém da ideia de se “nascer outra vez”. Para alguns que vivenciaram tal época, a renascença buscava recuperar uma visão de mundo que havia sido deixada de lado com o forte sentimento religioso desenvolvido na Idade Média. Foi um movimento artístico e filosófico que despontou na Itália (Europa) no século XV. Pôs fim a Idade Média (rei-nobre-clero-servos), dando início a Idade Moderna. Fatores como a expansão marítimo comercial, o surgimento da imprensa e da burguesia, foram essenciais para a evolução científica. Representou uma das mais importantes mudanças de mentalidade na história da humanidade, visto que foi um movimento de renovação em diversas áreas do conhecimento: filosofia, política, economia, cultura, artes, ciência, dentre outras.
Características:
Humanismo: valorização do ser humano e da natureza humana (homem no centro do mundo);
Racionalismo: expansão científica, explicação para os fatos, baseada na ciência. Razão é o único caminho para se chegar ao conhecimento;
Individualismo: homem é colocado em posição central e passa a ser regido, não somente pela igreja, mas também por suas emoções;
Antropocentrismo: o homem como centro do mundo, em detrimento ao pensamento teocêntrico medieval (onde Deus era centro do mundo). Inteligência humana corroborada com as descobertas científicas da época;
- Nicolau Copérnico (1.473-1.543, Polonês): “Pai da Astronomia Moderna”, Teoria Heliocêntrica (sol como centro do Universo);
- Galileu Galilei (1.564-1.642, Italiano): astrônomo, físico, matemático, filósofo, defensor da Teoria Heliocêntrica de Copérnico, fundador da geometria moderna e da física, aperfeiçoou o telescópio, inventou o microscópio com duas lentes e o compasso geométrico;
- Johannes Kepler (1.571-1.630, Alemão): astrônomo, matemático e astrólogo alemão, teorias sobre mecânica celeste (modelo heliocêntrico, estudou eclipses lunar e solar);
- Andreas Vesalius (1.514-1.564, Belga): médico, considerado o “Pai da Anatomia Moderna” (dissecou corpos de humanos, autor do Atlas de Anatomia Humana intitulado “Fábrica”);
- Francis Bacon (1.561-1.626, Inglês): filósofo, político e alquimista, criador do “Método Científico” (nova maneira de estudar a natureza), fundador da “Ciência Moderna”;
- René Descartes (1.596-1.650, Francês): filósofo, físico e matemático, considerado o “Pai do Racionalismo e da Matemática Moderna”. Fundador da Filosofia Moderna. “Discurso sobre o Método”, filosófico e matemático propôs as bases do racionalismo;
- Leonardo da Vinci (1.452-1.519, Italiano): inventor, matemático, engenheiro e artista italiano, gênio do Renascimento e da história da humanidade. Estudos sobre anatomia humana, inventou o paraquedas, a máquina de voar, o submarino, o tanque de guerra, dentre outros;
- Isaac Newton (1.643-1.727, Inglês): filósofo, físico, matemático, astrônomo, alquimista e teólogo, “Pai da Física e da Mecânica Modernas”. Movimento dos corpos e as 3 “Leis de Newton” (Lei da Inércia, Lei da Superposição de Forças e Lei da Ação e Reação = dinâmica dos corpos, causas e alteração do estado de movimento).
Universalismo: homem busca ser um “polímata”, aquele que se especializa em diversas áreas, como Leonardo da Vinci. Expansão de escolas, faculdades e universidades, disciplinas de humanas (línguas, literatura, filosofia, dentre outras);
Antiguidade Clássica: retomada dos valores clássicos.
A invenção da imprensa permitu a rápida reprodução das obras e a divulgação do conhecimento. Para os estudiosos, a filosofia e as artes desenvolvidas na Grécia e em Roma possuíam valor estético e cultural.
Gênios da Literatura:
- Dante Alighieri (Italiano): “Divina Comédia”;
- Maquiavel (Italiano): “O Príncipe”;
- Shakespeare (Inglês): “Romeu e Julieta”, “Macbeth”, “A Megera Domada”, “Otelo” e outras;
- Miguel de Cervantes (Espanhol): “Dom Quixote”;
- Luís de Camões (Português): “Os Lusíadas”.
Artistas Plásticos:
- Leonardo da Vinci (Italiano): “A Mona Lisa” e “A Última Ceia”;
- Rafael Sanzio (Italiano): “A Madona do Prado”;
- Michelangelo (Italiano): “Pietá”, “David”, “O teto da Capela Sistina”, “A Criação de Adão” e “O Juízo Final”.
Luca Pacioli (Italiano, 1.494), monge franciscano, Tratado Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Propotionalità, Capítulo Tratactus de Computis et Scripturis descreve o método das partidas dobradas. Cada lançamento em contas de débito deve corresponder lançamento de mesmo valor em contas de crédito e vice- versa) com a existência de três grupos de pessoas que mantêm relações entre si: proprietário (titular do patrimônio); agentes consignatários (a quem o proprietário confia a guarda de seu patrimônio); e correspondentes (externos a empresa, com quem se tem uma conta a pagar ou a receber).
Essas inovações foram desenvolvidas no interior das cidades comerciais italianas (Veneza, Gênova, Florença, Roma e outras), que enriqueceram com o comércio no Mediterrâneo, dando origem a uma burguesia mercantil que, em seu processo de afirmação social, se dedicou às artes, juntamente com alguns príncipes e papas. Os burgueses que viviam nas pequenas cidades medievais amuralhadas denominadas “burgos”, começaram a desenvolver o comércio interno, impulsionadas pelas feiras livres. Grupos marginalizados pelos Senhores Feudais seguiam para as cidades (burgos) em busca de melhor qualidade de vida, sendo que aqueles que se dedicaram ao comércio ambulante, foram aos poucos constituindo a nova classe social, detendo os meios de produção e o acúmulo de capital: a burguesia. Feiras-livres (Feira de Champagne, na França, e a de Flandres, na Bélgica) foram essenciais para o desenvolvimento de atividades manufatureiras, aumento da circulação de mercadorias, o retorno das transações financeiras, o reaparecimento da moeda e formação de associações de controle de produção e comércio (Ligas Hanseáticas, Guildas Medievais e Corporações de Ofício).
O papel da China nas navegações marítimas em barcos a vela durante a Dinastia Ming, principalmente no Século XV, trouxe descobertas relevantes com mapas, rotas, astronomia, química, geografia, biologia e especiarias que ajudaram os Europeus a traçar suas rotas. Essa expansão ultramarina tornou o mar uma nova rota comercial, substituindo o eixo comercial do Mediterrâneo para o Oceano Atlântico, com a descobertas das terras no novo mundo. Essa nova forma de ver o mundo, alterou significativamente a mentalidade dos homens, questionando os velhos valores num impasse desenvolvido entre a fé a razão. O aparecimento de uma nova classe social, denominada burguesia, consolidam o novo sistema social, econômico e político.
Período entre o Renascimento e o Século XXI, o que realizamos:
- James Watt (1.777, Inglês): motor a vapor, locomotivas e barcos na revolução industrial;
- Revolução Francesa (1.789, França): ponto inicial da Idade Contemporânea, poder político característico da burguesia: republicano, constitucional, representativo, defensor da propriedade e militares profissionalizados;
- Werner von Siemens (1.886, Alemão): máquina elétrica com gerador de corrente contínua autoinduzido. → Modelo-T (Henry Ford, 1.908): Primeiro Model T (Detroit), revoluciona a indústria automobilística (motor à combustão) e o conceito de mobilidade urbana. Em 1.914, produção em massa (linha de produção);
- Teoria da Relatividade Geral (Albert Einstein, 1.915): concepções astrofísicas;
- Penicilina (Alexander Fleming, 1.928): infecções e doenças (febre, até sífilis e gangrena), 1.928, antibiótico;
- Teoria do Big Bang (Edwin Hubble, 1.929): Lei de Hubble-Humason;
- Computadores (Alan Turing, 1.936): Pai da Ciência da Computação, conceito de algoritmo e criou o computador moderno. Computadores são a principal ferramenta de trabalho (softwares);
- Energia Nuclear (Enrico Fermi, 1.942): fissão nuclear com a primeira reação em cadeia supervisionada;
- Transistor (Walter Brattain e John Bardeen, 1.947): semicondutor concebido pelos engenheiros americanos;
- Fibra Ótica (Narinder Singh Kapany, 1.952): revolucionou o campo das telecomunicações;
- Estrutura do DNA (James Watson e Francis Crick, 1.953): a molécula do DNA foi descoberta;
- Laser (Gordon Gould, 1.959): emite luz por um processo de amplificação ótica com a emissão de fótons;
- Homem no Espaço (Yuri Gagarin, 1.961): primeiro homem no espaço (surge a comunicação via satélite);
- Web (Sir Tim Berners-Lee, 1.989): intercomunicação e conexão entre computadores (world wide web);
- Ovelha Dolly (1.996): primeiro clone mamífero;
- Iphone (Steve Jobs, 2.007): smartphone (sintetização de todas as tecnologias);
- Membros Biônicos (2.013): após perder mão esquerda (acidente) Dane D. A. Sørensen (36 anos), primeiro amputado a sentir textura e sensações usando um membro prostético. Prótese ligada cirurgicamente aos nervos de sua parte superior do braço (sensibilidade na mão).
Uma das primeiras pessoas a perceber que a velocidade de mudança no mundo estava acelerando foi o visionário Buckminster Fuller (1980). Autor do livro “Caminho Crítico” descreve a curva de crescimento do conhecimento da humanidade a partir do ano 1 d.C.: o conhecimento dobrou no ano 1.500, dobrou pela segunda vez em 1.750 (250 anos e 6x mais rápido), em 1.900 o conhecimento humano dobrava aproximadamente a cada 100 anos e no final da 2a Guerra Mundial passou a dobrar a cada 25 anos. Até 2.020 esse ritmo dobra a cada 12 horas!
De agora em diante a inteligência humana deixa de ser o centro das atenções no corpo humano, pois estamos buscando um formato que permita exponencializá-la fora dele.
O mundo não será como antes!
O biólogo Átila Iamarino (Doutor em Microbiologia pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutor pela Universidade Yale) nos alertou.
“O mundo mudou, e aquele mundo (de antes do coronavírus) não existe mais. A nossa vida vai mudar muito daqui para a frente, e alguém que tentar manter o status quo de 2.019, é alguém que ainda não aceitou essa nova realidade”.
Temos um marco: a. C. (antes_Covid_19) e d. C. (depois_Covid_19) e um símbolo desta nova era, a máscara.
Confira algumas tendências para o mundo pós-pandemia:
Volume de Dados não apenas se multiplicará exponencialmente, mas virá de objetos e sistemas (produtos de consumo, componentes industriais ou sensores), assim como das plataformas sociais ou comerciais. Necessidade de quantificação dos riscos cibernéticos e a eficácia dos programas de segurança cibernética (investimento contínuo em pessoal e defesas de segurança / risco);
Conectividade para trabalhar em casa ou em qualquer lugar, manter o ensino em escolas e universidades, desfrutar de lazer etc é essencial. Investimento em redes 5G e na capacidade de nos equipar com infraestruturas de nuvem, processadores e supercomputadores:
- Abandonar a “gambiarra digital”, ou é digital ou não é. Não existe setor da economia ou tamanho de negócio que possa dizer “eu não tenho necessidade de investir no digital”;
- Experiências imersivas (lives, shows, tours virtuais, esportes e jogos eletrônicos);
- Redução nas viagens de negócios com videocalls (palestras, congressos e feiras);
- Comércio digital, telemedicina (avaliação e saúde virtual) e automação em tudo.
Habilidades Eletrônicas. Garantir conhecimento e habilidades essenciais para as pessoas no mundo digital:
- Trabalho remoto em home office (freelancers, profissionais liberais e em empresas de diferentes portes);
- Comércio online deixa de ser uma opção secundária (redesenhado para espaços de experimentação);
- Educação à distância, com mentores virtuais, novas plataformas ou serviços que conectam mentores e professores a pessoas que querem aprender sobre diferentes assunto.
Menos é mais. Coronavírus trouxe para o contexto dos negócios e para o contexto pessoal a necessidade de revisitar as prioridades. Revisão de crenças e valores:
- morar perto do trabalho, podendo ir a pé / bike / patinete, evitando transporte público, perda de tempo com viagens e espaços com grande aglomeração, como aviões, ônibus e metrôs (nos horários de pico);
- reconfiguração dos espaços (comércio, bancos e etc com a sensação de estar em casa) e novos modelos de negócios para restaurantes (só com delivery). Pode ser reduzido o espaço de convivência (Starbucks – China);
- viagens de lazer serão mais para o interior (natureza) e baixa concentração de pessoas.
Saúde. O aumento da conscientização e o desejo correspondente de viver com mais saúde:
- existem 1.700.000 vírus detectados em animais, desses 1.700 são coronavirus. Temos que aprender com essa crise e preventivamente estarmos prontos para ter um surto por década;
- alimentos oriúndos de trabalho sustentável, com rastreabilidade, de origem orgânica e biodinâmicos;
- condicionamento físico, emocionais e espiritual.
Cadeia de Suprimentos totalmente revista. Sai o estoque just in time e entra o just in case, as empresas aprenderam com a crise que precisam ter estoques maiores de segurança (cadeias longas de fornecimento):
- globalismo sofrerá um revés, substituído pelo protecionismo (restrições nas fronteiras);
- preferência por produtos e serviços locais e necessidade de resiliência nas cadeias de suprimentos, impulsionando a aproximação do fornecimento aos mercados finais (energias renováveis).
O Covid_19 mostrou a morte para muitos, uma espécie de guerra contra um inimigo único, onde todas as nações foram afetadas. Um ser invisível e silencioso conseguiu o que até há pouco tempo considerávamos impossível: suspendeu o sistema econômico, parou a produção globalizada. Voltar ao normal seria como se converter ao negacionismo e aceitar que a Terra é plana. Ailton Krenak acredita que o coronavírus “é uma resposta do planeta à forma como a sociedade vem consumindo a Terra”. Enquanto nós, seres humanos, estamos parados e trancados em casa, pássaros estão voltando a locais de onde tinham desaparecido, e a água suja está se limpando. Para ele, como para Latour, esta é a chance de não voltar ao antigo normal.
Como uma grande personalidade pelos seus feitos no século XX, Steve Jobs, em discurso na Universidade de Stanford, 2.005, disse que
“Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que já encontrei para me ajudar a tomar grandes decisões. Porque quase tudo – expectativas externas, orgulho, medo de passar vergonha ou falhar – caem diante da morte, deixando apenas o que é importante. Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração.”
Mas por que isso vai mudar? Vai mudar porque vivemos em semanas um novo renascimento que nos revelou o essencial, nos revelou que não poderemos voltar ao mesmo normal e que vamos evoluir para uma nova era.
Fontes de pesquisa: EL PAÍS Brasil / Canal do Empresário / StartSe / FastCompany / Valor Econômico / Salon / NACD / McKinsey Digital