Vai ser bem difícil contextualizar historicamente tudo o que aconteceu em 2020 às futuras gerações. Falo tanto em termos de mundo (óbvio), quanto de Brasil (claro). Acredito que do alto das minhas cinco décadas e um pouco mais de existência, nunca vivi e sobrevivi a um ano tão exigente. Vi, li e ouvi coisas inimagináveis. Tipo aqueles filmes de ataques zumbis.
Lembro nitidamente da minha mãe contar as agruras que viveu com sua família no interior de São Paulo durante a II Guerra Mundial. Aquilo, para mim, sempre pareceu enredo de filme. Tolinha, eu. Não sabia o que viria a seguir.
No dia 17 de março, quando resolvi voluntariamente me enclausurar em casa para viver aqueles que seriam (e continuam sendo) os intermináveis dias de quarentena, passei antes no supermercado para me abastecer, pensando que poderia me manter viva nos próximos 15 dias que durariam esse período negro – na minha humilde e equivocada avaliação, seriam apenas dias ou semanas, nunca meses e, jamais, anos, no plural mesmo. Não era ingênua a ponto de achar que a Covid-19 era apenas uma gripezinha, mas também não sustentei a ideia de que seria tão avassaladora quanto se provou ser. E ao ver as pessoas no supermercado lotando seus carrinhos, e algumas vezes disputando itens que já estavam em escassez, juro que me assustei. E foi aí que comecei a duvidar seriamente da raça humana.
Porém, sou o tipo de pessoa que sempre busca tirar algo de bom de qualquer experiência. Meu lado poliana procura transformar tudo o que é ruim em algo bom. Posso dizer que tem funcionado, apesar de em certos momentos eu ter sido imbuída de uma vontade enorme de defenestrar 2020 antes mesmo dele ter terminado. Mas então, pensa numa pessoa que nasceu sob o signo de áries, com ascendente em áries e lua em áries. Sou bem verde nessa coisa de astrologia por conta do meu pragmatismo crônico, mas até nisso me atirei esse ano, fazendo pela primeira vez meu mapa astral e pelo que me disseram, eu tinha boas chances de sobreviver, saindo quase ilesa. Então, me parece que toda essa overdose ariana serviu para algo, pois me vi, de novo, deixando o vento da mudança assoprar nas minhas ventanas (para quem leu meu texto aqui mesmo, no ano anterior, vai entender a referência. Quem não leu, pode ler agora, se quiser: Sobre sincronicidade e las ventanas.
Preparo-me para um novo ciclo. Nunca temi mudanças, porque para mim, mudar é fluir junto a um ritmo universal. A natureza é cíclica por um bom motivo. Volto à Lajeado nos próximos dias depois de seis anos em Porto Alegre. No meio de uma pandemia. E se tem uma coisa boa que pude tirar desse período todo, é que não adianta temer o desconhecido, porque costumamos atribuir nossos medos ao novo, com base em experiências anteriores, sem nos darmos conta que cada situação é diferente e exige um novo pensar, um novo agir. Podemos, sim, usar a sabedoria adquirida para elaborar a solução para o que virá a seguir. Ir além disso é especular sobre possibilidades e isso, de longe, não é vida real. É, ainda, especulação.
Mas antes de mais nada, preciso dizer que nada será como antes, sob hipótese alguma. E precisamos nos adaptar à nova ordem mundial. Sem me alongar mais, modestamente fiz uma lista com cinco pontos de inflexão que me ajudaram nessa pandemia. Não estou sugerindo que sejam adotados, apenas quis compartilhar algo que tive tempo de ruminar:
- As coisas nunca são realmente tão ruins quanto parecem. Sempre vai haver uma saída, uma área de escape. Pare, pense, respire e dê-se o tempo para agir. Sabiamente minha mãe dizia que só não há solução para a morte e eu concordo com ela;
- Existem coisas muito mais importantes, de verdade, do que aquelas que você costuma priorizar cotidianamente. Será que você não está fazendo uma inversão de valores? Que tal pensar naquilo que realmente importa em vez de preencher sua mente com distrações? Mas saber quais são, de fato, suas premências, é só contigo mesmo. Seja honesto, para começar;
- Não existe o amanhã ideal. Existe o hoje possível e imperfeito. Nenhuma sensação é melhor do que deitar na cama à noite e sentir que viveu um dia pleno;
- Se renda ao processo natural da evolução. Abandone a antiga casca e aceite que ela não te serve mais. Não se julgue e, principalmente, não se condene. De verdade, você não é o centro do universo e as pessoas não estão ligando a mínima se você vai mudar ou não. Faça isso por você;
- Desapegue. Leve pouca bagagem consigo. Carregue apenas aquilo que seja leve para você. O peso do mundo não lhe pertence.